OS SETORES SOCIAIS NO BRASIL

Por: Claudecir Bianco – Consultor

Sei que meu trabalho
é uma gota no oceano,
mas sem ele,
o oceano seria menor.

Madre Teresa de Calcutá.

A proposta neste artigo é apresentar, de forma sintética, o aspecto regulamentário dos setores sociais, esclarecendo pontos que considero importantes, principalmente para as pessoas que atuam no Terceiro Setor.

Destaco que à medida que o fluxo de trabalho das organizações que atuam no Terceiro Setor, aumentou drasticamente, há a necessidade de organizar suas ações e regulamentar sua prática através de planejamentos e estratégias adequadas para cada uma das finalidades.

Primeiramente vamos às definições.

O que é o Terceiro Setor?

Terceiro Setor é o termo que engloba as organizações da sociedade civil que prestam algum tipo de serviço ou atividade de relevância social fora do aparato estatal e que também não se confunde com os entes do mercado por não apresentarem objetivo ou finalidade lucrativa. Foi inicialmente usado por pesquisadores nos Estados Unidos no início da década de 70, e a partir dos anos 80 também por pesquisadores europeus.

O termo parte da ideia de que a sociedade e suas atividades podem ser divididas em três setores: o Primeiro Setor é o “Estado”, com ações organizadas e delimitadas, especificadas por um arcabouço legal, plenamente dotado de poderes, representante da sociedade, que atua em seu benefício, com atuação dirigida a todos os cidadãos, sem qualquer discriminação, promovendo de forma nacional atendimentos sociais e legais. Ainda, é o setor público, com personalidade jurídica, bem definida, composto por suas esferas: Federal, Estadual e Municipal, com soberania definida na constituição, detendo as prerrogativas de provisão dos direitos sociais como a saúde e a educação entre outros.

No âmbito privado, encontram-se as pessoas que atuam em atividades econômicas com fins lucrativos. Este é o Segundo Setor, que são as empresas caracterizadas pelo “Mercado”. Neste setor há troca de bens e serviços com objetivo o lucro e sua maximização. Nele estão as empresas comerciais, as sociedades mercantis e as demais pessoas físicas ou jurídicas que almejam rendimentos. Pode-se ainda dizer que é a relação entre a oferta – pessoas ou empresas que desejam vender bens e serviços – e a procura – pessoas ou empresas que querem comprar bens ou serviços. Assim, toda situação em que estão presentes a compra e a venda – real ou potencial – de alguma coisa é uma situação de mercado.

O Terceiro Setor, é composto por organizações e ou pessoas que estão ligadas diretamente às atividades sociais ou solidárias, sem desejar lucro, ou seja, sem fins econômicos. São representados por Associações Civis, Fundações, Clubes, Cooperativas etc. Estas organizações não se enquadram nos setores anteriormente descritos e recebem o nome de não governamental, representada pela sigla ONG’s.

Buscam ser agentes de mudança, promovendo ações de resgate e transformação, pessoal e social.

Mesmo fora da órbita da atuação estatal visam o atendimento de necessidades coletivas e/ou públicas da sociedade.

Para alguns teóricos americanos, as entidades que compõem o Terceiro Setor ainda têm como características fundamentais o fato de serem estruturadas, autogovernadas e envolver pessoas em um grande esforço voluntário.

Estas definições não eram muito claras e, por vezes, gerava confusões na caracterização destes setores.

No final da década de 90, houve o reconhecimento do interesse público de algumas organizações ocasionando a regulamentação e a promulgação da Lei 9.790/1999, que trata da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs.

Este título é fornecido pelo Ministério da Justiça do Brasil, cuja finalidade é facilitar o aparecimento de parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos (federal, estadual e municipal) e permite que doações realizadas por empresas possam ser descontadas no imposto de renda. OSCIPs são ONGs criadas por iniciativa privada, que obtêm um certificado emitido pelo poder público federal ao comprovar o cumprimento de certos requisitos, especialmente aqueles derivados de normas de transparência administrativas. Em contrapartida, podem celebrar com o poder público os chamados termos de parceria, que são uma alternativa interessante aos convênios para ter maior agilidade e razoabilidade em prestar contas.

As autoras MEIRELES e EL-AOUAR, dão a seguinte definição para o Terceiro Setor:

Segmento social difuso que atua entre o Estado e o mercado, e reúne um grande número de organizações de natureza jurídica privada e sem fins lucrativos, entre as quais se incluem as ONGs, que passam a assumir lugar de destaque na provisão de necessidades coletivas. (2002, p. 10)1

Há, agora, mais espaço para expansão de serviços e atuação, dada a tendência de descentralização na gestão das políticas sociais, (desde a Constituição de 1988) pelo Estado, sendo a proposta mais recente, a parceria com o Estado no tratamento de questões sociais, formalizada pela Lei Nº 9.790, de 23 de março de 1999, que define as OSCIPs.

Interessante ressaltar que tais definições, pode parecer novidade para leigos, mas existe uma referência, no mínimo intrigante, na história. Na Europa, um pouco antes da Revolução Francesa (1789), a autora SAMARA FEITOSA diz que:

Administrativamente, com relação a sua população, a França era dividida em três Estados: nobreza, clero e o restante da população, também chamados de Terceiro Estado. É bastante comum explicar essa divisão utilizando um velho dito popular: ‘O clero serve o Rei, com a prece, a nobreza, com a espada, e o Terceiro Estado, com seus bens’. (2016, p. 25)2

Seria, este dito popular apenas, uma coincidência?

Talvez!

É claro que a sociedade evoluiu muito desde a revolução francesa, mas ainda cabe a este ‘Terceiro Estado’ e às empresas, arcar com os impostos, que no Brasil são bem altos.

No entanto, não havia qualquer tipo de regulamentação naquela época e até mesmo antes dos anos 70.

Interessante destacar que esta Lei (9.790/1999) abre, às entidades do terceiro setor, um caminho direto e moderno com o Governo Federal, através dos acordos de parcerias.

Leia o conteúdo de Lei 9.790/1999 [CLIQUE AQUI]3

Note que, no Art. 2º diz que Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3o desta Lei, conforme abaixo:

I – as sociedades comerciais;
II – os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional;
III – as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais;
IV – as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;
V – as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios;
VI – as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;
VII – as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;
VIII – as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;
IX – as organizações sociais;
X – as cooperativas;
XI – as fundações públicas;
XII – as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas;
XIII – as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

O Terceiro Setor tem crescido em grande escala em todo o mundo e também no Brasil.

No entanto, há ainda por parte da sociedade brasileira e do Governo, uma certa desconfiança pelas ações sem fins lucrativos.

Essa desconfiança por vezes, limita e prejudica as ações das Organizações, que em seu cotidiano sentem a falta de recursos financeiros que subsidiem seu funcionamento, e consequentemente, a prestação de serviços à população que, vendo reduzidas as opções de atendimento nos serviços públicos, está cada vez mais excluída dos serviços de qualidade.

Devido a isso, o Terceiro Setor deve investir em sua profissionalização, em seu crescimento e em estratégias, se de fato quiser subsistir e ampliar suas ações.

MARCOVITCH aponta que:

A fragilidade das entidades não-governamentais tem levado ao desaparecimento precoce de muitas delas. A informalidade, tão útil nos primeiros passos de uma associação de interesse público, torna-se rapidamente uma ameaça à sua perenidade. O ideal generoso e altruísta presente na sua criação deve ser acompanhado pela visão gerencial e por rigor financeiro para obtenção dos frutos desejados. (1996, p. 122)4

Esta fragilidade aliada ao improviso geralmente não produz os resultados esperados e duradouros.

Pode sim, solucionar alguma situação esporádica ou pontual que, inclusive venha a atender a alguma ação da organização, mas não permite a ela a permanência em sua área de atuação.

Somente a boa vontade e disposição não garantem a qualquer organização o sucesso de suas ideias e objetivos. O ato de realizar ação social com dinheiro alheio também já não faz sentido e mostra falta de preparo na gestão da organização destas ONG’s.

É necessário pensar e implementar ações coordenadas dentro de cada área e para isso a utilização de ferramentas administrativas como planejamento estratégico é tão necessária quanto o propósito inicial que a fundou.

Este, no entanto, será conteúdo para um próximo artigo: “O planejamento estratégico para Organizações Não Governamentais”

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[1] – Lei 9.790 de 1999 – Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9790.htm>

[2] – MEIRELES, Elisângela Cabral de; EL-AOUAR, Walid Abbas., O desafio das ONGs ante a minimização do papel do Estado no cenário global. Caderno de Pesquisas em Administração. São Paulo: v.9, nº 3, p. 10, julho/setembro 2002.

[3] – FEITOSA, Samara. Da Revolução Francesa até nossos dias: um olhar histórico. Curitiba: InterSaberes, 2016.

[4] MARCOVITCH, Jacques (org.). Tecnologia da informação e estratégia empresarial. São Paulo: Editora Futura-FEA/USP, 1996.